Enquanto crocheto esse mini presépio, meus pensamentos se dirigem a ela, minha mãe de 94 anos.
Tem sido um desafio muito grande ajudar a cuidar dela. A cada dia é um novo aprendizado, uma nova mania. Minha irmã Cidoca tem liderado essa missão. Minha irmã Neusa é responsável pelo departamento de banhos e eu faço os caldos que ela tanto gosta.
Tem dias que ela sorri, interage lucidamente e tem dias que está apática, pensativa e calada.
Foi num dia desses, com os olhos quase sem brilho, sem esboçar um sorriso, sem esboçar emoção que lhe perguntei o que se passava e ela respondeu monossilabicamente:
- Cansada.
São 94 anos de vida, de história. Tento fazê-la sorrir, preparando o seu caldo predileto. Sirvo com um agrião recém colhido da minha hortinha hidropônica, mas que nada. Ela come silentemente, focada e rapidamente. Não quer conversa.
Termina de comer, corre para o banheiro a fim de cumprir o ritual de escovar os dentes e fazer xixi. Na verdade, ela não corre, mas vai com seus passos cansados e quase trôpegos, e a gente tem que se levantar no meio da refeição para ajudá-la cumprir a sua meta, como se competisse em uma maratona. Não entendemos o porquê da pressa, mas essa é uma das manias de mamãe.
Pergunto-lhe se não quer ver a “Carinha de Anjo”, novelinha que ela assistia depois do almoço, mas enjoou. Não quer mais ficar sentada no quintal vendo as plantas e o roçar dos gatos. Não quer mais ver TV na sala. Quer apenas ficar no quarto, deitada. Subimos para o quarto. Tento engatar uma conversa falando de crochê, mostrando minhas linhas, minhas invenções, minhas trapalhadas. Ela esboça um sorriso. E assim fico provocando seu sorriso tão escasso e cansado entre linhas e recordações.
- Mãe, a senhora lembra do nosso primeiro presépio?
Ela sorri e voltamos para o passado.
- Sim. Eu me lembro.
E em meio as linhas, tecemos as nossas recordações:
Ela era uma jovem mãe de uns 40 anos, com sua pequena filha de uns 5 anos, catando barro no pequeno córrego bem próximo a nossa casa. Com aquele barro esculpimos boizinho, vaquinha, ovelhinha, pombinha e pintamos com tinta guache. Eles compunham o nosso pequeno presépio naquele início dos anos 70. Era uma época tão feliz, tão marcante para mim. Não tínhamos dinheiro para presentes, mas tínhamos uns aos outros. E o cenário era esse: Minha mãe, minhas irmãs naquela missão de reconstituir o natal, amassando o papel pedra e colocando solenemente os itens que conseguimos fazer ou adquirimos com muito sacrifício. Com meus olhinhos infantis, me identifiquei mais com o menino Jesus do que com o papai Noel. Cantávamos pobrezinho nasceu em Belém. Talvez o pobrezinho dessa canção tenha feito mais sentido para mim do que o velho papai Noel, o qual eu tinha feito alguns pedidos e não recebido nada.
E essa foi minha primeira experiência com o menino Jesus.
Naquela tarde, rimos bastante das nossas lembranças.
Voltei para casa, peguei receitas no youtube de amigurumis de presépio e resolvi montar esse presépio para ela.
Ontem mostrei para ela a ovelha e a Maria. Ela criticou a minha Maria, dizendo que estava sem boca. Tive que costurar uma boca, sob protesto, pois não gosto nada de costurar. Rimos bastante, mas logo ela me expulsou do quarto. Acho que queria dormir.
Hoje, pela manhã acordei sorrindo com essas lembranças, cujo tempo não apagou.
A mãe e a filha montando o presépio.
Hoje, eu sou a filha, já de cabelos grisalhos, crochetando um presépio para a sua velha mãe. Os fios são uma forma de me conectar a ela. Talvez tenha sido o motivo de crochetar tanto esse ano.
Essas lembranças da pequena menina com o menino Jesus me fizeram muito bem
E assim, finalizo meu pequeno presépio para dar para ela nesse quase final de ano.
E aproveito para deixar aqui meu desejo de um Feliz Natal, com a presença preciosa de Jesus, que nos reconecta com a nossa humanidade.