Não lembro bem ao certo, mas ele, quando era vivo, nos
contou algumas vezes essa história, que aconteceu nas décadas de 40 ou 50 e que
para mim foi o maior ato heróico, que
carregarei para sempre eu meu coração. Meu pai, ainda jovem, solteiro, baiano, cabelo pixaim, mulato, hoje diria um
afro descendente, era servente de pedreiro e analfabeto. Saiu do interior da
Bahia e veio tentar a sorte em São Paulo. Trabalhava nas construções civis e morava
nos alojamentos que a construtora oferecia. No dia de receber seu salário, a
pessoa responsável zombava de todos dizendo: - Esses baianos burros, analfabetos,
nem sabem escrever, seus burros!!! Vai, enfia o polegar na almofada do carimbo coloca no
recibo. Meu pai dizia que era humilhante,
ouvir esse tipo de zombaria mensalmente e ter que enfiar o dedo naquela
almofada.
Ele poderia ter pego essa humilhação e ter as seguintes
atitudes: se prostrar, desistir, reclamar, chorar, jurar vingança àquela pessoa, xingar o país, ou apenas ter se conformado por ser negro,
nordestino e esse era o seu destino. Mas ele simplesmente resolveu mudar essa
situação por conta própria.
Um dia, andando pelas ruas, descobriu uma escola e
matriculou-se num curso noturno. Sua professora era uma senhora de traços
orientais que lhe ensinou as letras e a escrever seu nome.
No mês seguinte, o funcionário veio com as mesmas zombarias.
Meu pai disse:
- Por favor! Dê-me uma caneta. Eu quero assinar meu nome! E
assim, ele assinou seu nome no recibo, deixando aquele funcionário boquiaberto
murmurando entre si: - Como assim? No
mês passado você não sabia e agora nesse mês você já sabe? E assim, meu pai nunca mais usou aquela
almofada de carimbo para assinar seu nome com o polegar;
Foram apenas 3 meses naquela escola, pois a obra terminou e
meu pai teve de deixar a cidade e a escola, com grande pesar. Mas nesse curto
período aprendeu a ler, a escrever e a fazer contas.
Com a minha mãe não foi diferente. Às escondidas do meu avô, ela aprendeu as
letras e a escrever seu nome. Foi apenas uma semana, talvez 15 dias. Naquela época, era quase proibido estudar.
Meus pais se rebelaram contra o analfabetismo e de maneira
simples nos educou, mas com tamanha eficiência que sou grata até hoje e que
causaria inveja a qualquer Vygotsky, Piaget ou Paulo Freire:
- mamãe era exímia contadora de histórias;
- papai sempre que possível nos alimentava com livros e
revistas, embora não soubesse ler com muita fluência;
- meus pais nos deram o essencial – amor, alimentação, algumas
roupas e moradia e com isso talvez tenham se privado de muitas coisas, porém,
se quiséssemos qualquer coisa, tínhamos que conquistar com nosso trabalho;
- meus pais foram exemplo de solidariedade – ajudando muitos
parentes a se estabelecerem aqui em São Paulo... minha casa parecia um
verdadeiro albergue;
- meus pais foram um exemplo de honestidade. Mesmo com
dinheiro precário, nunca vimos cobradores bater em nossa porta.
A forma como eles conduziram a nossa educação foi tão
preciosa, que procurei adotar algo semelhante com os meus filhos e os
resultados foram bem eficazes. São
atitudes simples, mas geram resultados eficientes. Dia desses, ouvi alguém dizer que as cartilhas
eram preconceituosas, pois só tinha criança branca, que para se ensinar
dígrafos usava a palavra dromedário e isso não fazia sentido para o brasileiro
e assim fomos reformulando, rebuscando e reformulando... é claro que sou a
favor da evolução, mas o que percebo é que no pacote vem muito protecionismo e isso não gera "anti-corpos." Tudo agora é bullyng ou
TDAH ou dá-lhe Ritalina. Vejo crianças sendo protegidas em demasia, crianças
que não sabem ouvir um não, crianças que não podem ser frustradas, pior, que ultimamente não se limita apenas às crianças, mas a adultos, os quais eu classifico-os
como os adultos Mimimi da geração facebook que se acham perseguidos,
excluídos. Quando vejo tudo isso e presencio essas infantilidades, penso nos meus pais, que em meio a todas essas adversidades que eles
tiveram, não se renderam, mas saíram fortalecidos e com apenas ATITUDES, TRABALHO
E ESFORÇO construíram um patrimônio não de bens, mas de VALORES que quero
partilhar com meus filhos e netos.
Que texto brilhante, sensível e real! Todos deveriam apreciar essa leitura e refletir o que foi passado por essas notáveis entrelinhas.
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ResponderExcluirGrande Linólica!é bem por ai mesmo! Sua mãe é muito fofa!
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